Realizado em um contexto de crise ecossistêmica sem precedentes no Brasil, o CBJA trouxe à tona questões cruciais da crise climática. O encontro, que se destacou como um espaço essencial para debater o futuro da cobertura jornalística, enfatizou a importância de uma abordagem contínua e comprometida com a realidade dos biomas brasileiros.
Um dos tópicos mais marcantes do 8º Congresso Brasileiro de Jornalismo Ambiental (CBJA) foi a devastação de ecossistemas como o Pantanal, que sofreu perdas significativas em sua vegetação nos últimos anos. O congresso teve início na quinta-feira, 19, prosseguindo até sábado, 21, no Teatro Celina Queiroz, da Universidade de Fortaleza (Unifor), com a marca de ser o primeiro no Nordeste.
Os jornalistas Dal Marcondes, Maristela Crispim, Wagner Borges e Samira de Castro enfatizaram a importância da conexão entre jornalismo, meio ambiente e ciência. O impacto desta destruição para as futuras gerações, foi evidenciado na urgência de uma cobertura que não se restrinja a eventos de tragédia, mas que inclua uma narrativa mais abrangente e inclusiva.
Os participantes do congresso concordaram que é fundamental incorporar as vozes dos povos tradicionais e destacar histórias frequentemente invisibilizadas pela grande mídia. Esta mudança de abordagem é vital para promover uma compreensão mais profunda dos complexos processos ambientais, sociais e econômicos que moldam a realidade do Brasil.
Os desafios enfrentados por jornalistas ambientais também foram amplamente debatidos, incluindo questões de censura e assédio judicial. Casos emblemáticos, como o conflito em Serra Pelada, foram citados para ilustrar como a omissão ou subestimação de conflitos ambientais históricos prejudica a compreensão pública destes problemas. Como destacou Dal Marcondes, “o Brasil está em chamas”, referindo-se não apenas aos incêndios na Amazônia, mas à urgência de uma cobertura jornalística comprometida.
No último dia do CBJA, antes da palestra de encerramento, foi exibido um pequeno vídeo em homenagem aos jornalistas ambientais que abriram caminhos na área e que nos deixaram nos últimos anos.
André Trigueiro e o jornalismo ambiental na era dos extremos
No último dia do Congresso Brasileiro de Jornalismo Ambiental, o jornalista e professor André Trigueiro fez uma reflexão sobre a cobertura ambiental na era dos extremos. Em apresentação que durou pouco mais de uma hora, Trigueiro falou sobre a importância de entendermos o quão grave é o momento que estamos vivendo, e o papel que cada um de nós tem nessa luta.
Um dos pontos mais enfatizados pelo jornalista foi sobre como nós não devemos generalizar falando que “a mídia” fez isso ou aquilo. Segundo ele, é exatamente isso que quem faz algo de errado quer. É preciso, entretanto, dar nome aos bois e escancarar os fatos, pois só assim é possível tocar na ferida e expor o problema.
Trigueiro concedeu ainda uma entrevista exclusiva para a NewsLink TV. Em conversa com o repórter Leonardo Piccinini, opinou sobre o papel do jornalista no Brasil de hoje e como o negacionismo afeta a cobertura climática, além de criticar aqueles que tentam pegar carona em um desastre para aparecer e inflar o ego.
Censura e assédio judicial
Durante o segundo dia do Congresso de Jornalismo Ambiental, as jornalistas Kátia Brasil, da Amazônia Real e Juliana Arini, secretária da Câmara Setorial Temática Climática do Estado de Mato Grosso, refletiram sobre a importância de tratar as questões climáticas como prioridade, mediadas pelo fotógrafo e videomaker Márcio Isensee, diretor de conteúdo do site O Eco.
Relação pessoal com o Pantanal
Juliana compartilhou um relato pessoal sobre sua infância no Pantanal, expressou a tristeza de saber que os filhos não poderão ter a mesma relação com o bioma. “Estima-se que, nos últimos cinco anos, os incêndios tenham degradado cerca de 9% da vegetação do Pantanal”, informou e evidenciou a urgência da situação.
Kátia Brasil abordou os desafios que a cobertura ambiental enfrenta, o que inclui a censura por parte de políticos e grandes corporações. “Estamos enfrentando assédio judicial e censura. Para se ter ideia, uma reportagem nossa está barrada há mais de dois anos,” confessou a jornalista, que destacou a necessidade de um jornalismo mais livre e crítico.
Ferramentas digitais para ampliar impactos das ameaças ao meio ambiente
A mesa “O jornalismo ambiental nos meios digitais” reuniu Dal Marcondes, Stefano Wrobleski, Paulo André Vieira e Maristela Crispim, que abordaram a necessidade de uma cobertura ambiental comprometida e inovadora.
Marcondes enfatizou a urgência de compreender os processos complexos que ocorrem na Amazônia, indo além dos dados de desmatamento e incêndios, com destaque ao impacto sobre as comunidades locais. Wrobleski ressaltou o uso de dados em tempo real para narrativas humanas no InfoAmazonia, enquanto Paulo André destacou o caráter investigativo que o jornalismo ambiental precisa assumir em face dos retrocessos nas políticas ambientais do Brasil. Maristela Crispim finalizou lembrando o papel dos jornalistas em trazer à tona histórias silenciadas, especialmente no contexto digital.
A pauta ESG e o impacto no jornalismo
Muito tem se falado de ESG e em meio a tantos problemas ambientais, o assunto é ainda mais urgente.
Muito tem se falado de ESG e, em meio a questões ambientais, o tema é ainda mais do que necessário. Por isto, uma mesa discutiu a pauta ESG (Environmental, Social, and Governance), com a participação de Dal Marcondes e Magda Maya.
Marcondes ressaltou que o conceito de ESG tem suas raízes fincadas nos anos 1970, mas alertou para o crescente problema do “ESG washing”, por meio do qual empresas usam a sigla para marketing, sem promover mudanças reais. “Devemos estar atentos às empresas que adotam práticas superficiais para melhorar sua imagem, sem comprometimento real”, ressaltou o jornalista.
Magda Maya, por sua vez, apresentou uma perspectiva filosófica ao debate. Enfatizou que a exploração desenfreada dos recursos naturais não pode mais ser vista como um simples resultado do desenvolvimento, mas como uma crise iminente. “A natureza não tem senso moral, ela tem consequências”, declarou. Destacou, ainda, a importância de repensar nosso ordenamento jurídico.
Papel do jornalismo na fiscalização
A mediadora Mariana Fontenele, jornalista e professora da Unifor, sublinhou o papel fundamental do jornalismo como agente fiscalizador. Afirmou que “o jornalismo ambiental precisa estar mais do que atento; ele deve ser incansável em suas investigações e questionamentos.” Esta vigilância contínua é essencial para garantir que a discussão sobre ESG se mantenha relevante e não se transforme em uma mera ferramenta de marketing.
O 8º CBJA reafirma a responsabilidade de os jornalistas em irem além dos números e explorarem as causas subjacentes e os impactos nas comunidades afetadas. Este evento é um passo importante para fortalecer o jornalismo ambiental e promover uma narrativa que verdadeiramente reflita a complexidade da crise climática no Brasil.
Vozes da juventude
A estudante Gabriella Lourenço, de 15 anos, descendente dos povos indígenas Tupis e Tamoquim, fez uma apresentação inspiradora sobre “Comunicação Ambiental para a Juventude”. Ela se destacou como a pessoa mais jovem a falar para um público de mais de 900 jornalistas.
Participante do projeto VERUS, Gabriella enfatizou a preocupação com o distanciamento dos jovens das discussões ambientais e ressaltou que, embora sejam considerados o futuro, é crucial que sejam incluídos nas decisões e debates atuais.
Singularidade do bioma Caatinga
No primeiro dia, a coordenadora do 8º CBJA, Maristela Crispim, professora do curso de Jornalismo da Unifor e diretora executiva do Instituto Eco Nordeste, ministrou uma oficina focada na singularidade do bioma Caatinga. Ela ressaltou que a Caatinga é o único bioma exclusivamente brasileiro, pois faz fronteira apenas com o oceano.
Maristela enfatizou a importância de compreender suas características únicas, como o regime climático de duas estações (seca e chuvosa), para promover sua preservação e desenvolver políticas públicas que garantam a sustentabilidade desse ecossistema.
A reportagem do desastre no Rio Grande do Sul
A cobertura da tragédia no Rio Grande do Sul revelou histórias de pessoas afetadas, mas os jornalistas Moreno Osório, Eloisa Loose e Silvia Marcuzzo, durante o 8º Congresso Brasileiro de Jornalismo Ambiental, ressaltaram a importância de contextualizar os problemas, em vez de focar apenas em narrativas individuais.
Sílvia criticou a mídia por não abordar o desmonte da política ambiental, que contribuiu para o colapso do abastecimento de água. Osório lembrou que a falta de manutenção em sistemas anti-cheias teve graves consequências. Eles defenderam uma cobertura mais preventiva e abrangente, e destacaram que a tragédia persiste, com muitos gaúchos lidando com luto e desemprego.
Reinvenção do jornalismo científico
A importância da área de jornalismo científico foi destacada pelo assessor de comunicação da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme), Felipe Lima. Para ele, esta parte do jornalismo é, antes de tudo, educação. “A ciência está presente no nosso dia a dia desde que a gente é pequenininho. Só que a ciência que às vezes chega às pessoas ainda é muito robusta e mal compreendida”. Felipe explica que o jornalismo tem o papel de tradutor, para que a informação seja repassada, para que faça um elo entre os cientistas e as pessoas.
Modelagem de negócios no Jornalismo Ambiental
O tema da oficina ministrada por Dal Marcondes, diretor executivo do Instituto Envolverde, no CBJA foi a modelagem de negócios no Jornalismo Ambiental. Durante a apresentação, Dal destacou que as redes sociais são um instrumento poderoso para a comunicação, mas tem o problema de não estar sob o controle dos jornalistas, já que mudam as regras de acordo com os seus interesses.
Desafios do jornalismo independente, investigativo e sem fins lucrativos
A 4ª oficina do congresso, conduzida por Kátia Brasil, da Amazônia Real, abordou o tema do jornalismo independente e investigativo. Kátia compartilhou suas experiências e destacou os desafios financeiros enfrentados por essa área do jornalismo, que é crucial para a democracia no Brasil, especialmente quando a mídia tradicional não alcança certas comunidades. Ela enfatizou a importância de encontrar formas de financiar esse trabalho vital.
O projeto Amazônia Real realiza, ainda, oficinas para os povos locais em Manaus e na Amazônia, visando a promover a educomunicação entre os jovens. Kátia mencionou que estas oficinas foram criadas para estimular a troca de conhecimentos e a conscientização sobre a importância da comunicação na educação, preparando as novas gerações para compreenderem melhor seu papel na sociedade.
Preservação da Mata Atlântica
A oficina sobre a Mata Atlântica, liderada por Afra Balazina e Marina Vieira, da Fundação SOS Mata Atlântica, abordou os desafios de preservação do bioma, que atualmente possui apenas 24% de sua cobertura original.
As palestrantes debateram os impactos do desmatamento e das queimadas, a importância do monitoramento contínuo e as iniciativas de restauração ecológica. Também foi destacada a necessidade de maior conscientização pública e a interseção da Mata Atlântica com outros biomas, como a Caatinga e o Cerrado, o que exige uma abordagem de conservação específica.
Economia regenerativa e governança climática inclusiva
O jornalista Sérgio Xavier, coordenador-executivo do Fórum Brasileiro de Mudança do Clima (FBMC), e Ricardo Coimbra, economista e professor da Unifor, trouxeram à tona questões cruciais sobre como o setor privado pode se adaptar e prosperar num cenário onde eventos climáticos extremos ameaçam a sustentabilidade dos negócios.
“Estamos em um momento em que muitos negócios estão em risco, seja pela ação da natureza ou pela carência de um mercado que valorize práticas sustentáveis”, afirmou Xavier.
* Os alunos do Newslink foram orientados pelos professores Kátia Patrocínio e Miguel Macedo